segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ARVOREAR


Corro e percorro-te,
sufoca-me como punhais,
o gélido da noite.
Impele-me o vento
floresta adentro.

Vestes perdidas,
descalça, no castanho
que se entranha
num chão de folhas
em tapete tecido, escuto.

Distante um nome de terra,
esquecido.
Apelo que vocifera e explode no peito,
coração que já não bate,
dispersado, dissipado,
diluído, no rio que me flui.

Abrem-se as entranhas da terra,
largos veios à minha passagem,
longos os dedos em raízes tornados.
Um sopro sufocado, o ar que me abraça,
oferenda-me a Luz
que é meu alimento.
Ramos de braços feitos,
prolongam-se e beijam a Lua
as estrelas dançam-me segredos de vento.
Dialectos de folhas murmuram-se,
em meu redor.

Evoco tudo isto,
Acedo ao que já fui.
Amanhã, virei fazer um ninho em meus ramos.
Sou quase eterna!

(Sentir e Ser - 2011)

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Finais de Fevereiro... vislumbre de Primavera


O Inverno, de Sol disfarçado,
ilude com cheiros primaveris;
o Vento, também convidado
não se fez rogado e dança neste baile feliz.

Acompanha-o a Brisa suave,
com grinaldas e flores enfeitada,
veio a orquestra dos pássaros,
de trovas e canção afinada.

Véus de nuvens o azul desfiam,
no céu dourado o entardecer,
mais longos os dias anunciam,
a Primavera é lesta a aparecer.

Primavera Rainha que chegas,
ainda que um pouco adiantada,
às árvores prendas entregas,
numa Festa por ti orquestrada.

Saúdam-te todos os seres,
e embora de chuva disfarçada,
espalhas amores e quereres
e odores de terra molhada.

És gloriosa oh Primavera,
Rainha de todas as estações,
quando despertas as folhas,
inflamas ledos corações.

És a maestrina da Vida,
fazes obras-primas com cores,
em breve o Amor se convida,
de beijos sob as tuas flores.

(Sentir e Ser - 2011)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

EFÉMERO


Não viverei!
Não viverei que chegue
para amar,
tudo
o que há para amar.

Não viverei que chegue
para abraçar
tudo
o que contém um abraço.

Não viverei que chegue
para cheirar,
para rir e chorar,
para recordar...
tanto
que há para lembrar.

Não viverei para aprender
a língua dos pássaros,
o dialecto das árvores,
ou voar num dente-de-leão.

Não, não me chega o tempo,
para saber o gosto da luz do Sol,
entender o murmúrio do vento,
e a cantiga que traz a chuva.

Não viverei,
para saber de que
cor é o Branco.

Não viverei o tempo,
para chegar a entender
toda a Sabedoria do mundo,
escutar as palavras,
sons e melodias.

Levaram de mim a Eternidade,
sem meu consentimento,
fiquei nas mãos do Tempo!

Para trás, o negro,
e nos dedos,
o pó
que sobra das oferendas da Vida.

Não viverei, mas encurto os passos,
num caminho tecido de vagar,
para que caibam em mim
o Amor e os abraços,
o riso e as lágrimas,
as lembranças e memórias
as cores e os sabores,
os sons e os odores...
da sabedoria do meu mundo.

Não, não viverei...
e
não te concedo tréguas!

(Sentir e Ser - 2011)

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

FUTURO


Um Ícaro de papel vou erguer à Lua,
enquanto baleias voadoras e mantas planadoras
vagueiam sob o céu violeta.

Vou ver seres, homens e mulheres,
que hibernam pacientes.
Aguardam pensamentos de cristal,
para irem envergar,
asas de cores translúcidas.

Ocultas no mar sereno,
brincam medusas de água,
brilham os sonhos de crianças,
com risos de gaivota.
E os cavalos-marinhos,
trazem melopeias
para dançar com as anémonas.

Véus de esmeralda gentis,
encobrem delicados girassóis,
que nascem,
em busca do Amarelo.

Vou soprar grãos de areia
e germinar estrelas do mar.

A canção dos golfinhos
dirá palavras do futuro,
memórias do que poderia ter sido.

Vou agarrar sóis radiantes com as minhas mãos,
e semeá-los numa terra azul.

Tudo isto eu verei,
tudo isto farei.

(Sentir e Ser - 2011)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

METAMORFOSEAR


Vou partir
e me diluir,
quiçá
transmutar
em
espuma do mar.







(Sentir e Ser - 2011)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

CÁRCERE

Quem ousou aprisionar-me
neste túmulo?
Quem roubou a minha liberdade?
Não mais, o voo nas asas do Pássaro Invisível,
não sopro com o vento num céu despido de Inverno.
Deixei de me confundir na luz,
braços não tenho para abraçar o ar,
outros mundos não percorro,
presa,
neste excrucitante corpo.

Caminho contudo,
no desalento.
Desespero, numa onírica visão
sem fronteiras.
Desperto, num agonizante grito de dor.

Liberdade, brado eu!
Morte, sussuram eles...

Afasto as cortinas, eis que flui luz.

(Sentir e Ser - 2011)

SER

SER LIVRE!
SER
SELVAGEM!
NÃO ME RALO,
NÃO ME

INTERESSA,
SE ME
PERDER...


(Sentir e Ser - 2011)
Verás o Sol,
ainda que te cegue
o nevoeiro.


(Sentir e Ser - 2011)
NÃO EXISTO!
SOU ILUSÃO.
A TUA!


(Sentir e Ser - 2011)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

HOJE (parte II)

Hoje acordei no verbo não.
Hoje não gosto de vegetais,
não quero saber dos animais!
Hoje não sou contra o roubo nos salários,
não sou contra os prémios milionários!
Hoje não condeno o rico ilícito,
o esbanjamento ou desperdício!
Hoje, não me indigno com a fuga ao fisco,
com os carros nas garagens abastadas,
ou com as contas recheadas!
Hoje, não digo não à corrupção,
aos milhões que se lavam com as mãos!
Hoje, não sou contra a tourada,
não me choca a massa humana,
esfomeada!
Hoje não reparo na Ignorância,
nos maus tratos na infância!
Hoje não penso na surdez e na rudeza,
com que abatem a Natureza!
Hoje não escuto os apelos e os clamores,
de quem sofre de várias dores!
Hoje não me revolto, não protesto!
Hoje não me indigno!
Hoje não choro!
Hoje não! Amanhã? Não sei, logo se vê.
Ou não!

(Sentir e Ser - 2011)

ARagem


Serei feliz,
quando mais não for que brisa,
e correr o mundo,
levar comigo os pássaros
e os seus cantos,
receber das árvores, afagos,
sem demora,
nos seus longos e anosos ramos.
Levarei comigo pequenos seres,
vozes e memórias de outrora,
a água ou o fogo
as tristezas e alegrias,
fugidias.
Visitarei o oceano,
mar,
as escarpas rochosas,
onde não me deterei
mais do que um momento,
e um qualquer recanto,
onde se escondem
as silenciosas folhas do Outono.

Ainda assim, darás por mim.

(Sentir e Ser - 2010)

PULSAR


Persiste em mim o rasgo
do Infinito, desde que me concebo.
Pulsante, teimosamente irrompe
quaisquer limites.
Abarco-o, é parte de mim,
este Infinito que pulsa,
nas fronteiras do meu corpo,
exíguo...
Libertá-lo, expandi-lo...
Ei-la, a razão da minha dor!

Doem, aguçados gumes,
refulgentes de luz,
digladiam e retalham
as máscaras que não me servem.
Não! Não,
jamais me couberam!
Por isso pesam...
Carrego-as, ofusco essa luz,
inextinguível.
Fardo de dor. Dor...que me dilacera.
Disfarces cerzidos, por mim,
e em mim remendados,
à força.
Sem nomes nem palavras,
experimento a fusão no êxtase e deslumbramento,
se me permito e acedo a um vislumbre,
do Infinito...
e verto pelo caminho, lágrimas...
também de sofrimento. Grilhões!
Cresci, quase persuadida,
perto de ser confundida,
com a minha loucura interior.
Mas sei que não estou,
sei que não sou!
Louca!
Mas apenas
VIVA.

Em redor do Sol, brilha o silêncio, Infinito.

(Sentir e Ser - 2011)

SOLIDÃO

Escrevo-me
para que não cesse a minha existência,
para não me esquecer de existir.
Escrevo-te para me lembrar, sempre,
que partiste,
que exististe, e comigo caminhaste
neste meu
intervalo do Caminho.

(Sentir e Ser - 2010)

ENTRA


Vou abrir-te os portões do meu jardim.
A ferro bordados, de pontos, vírgulas e espaços.
Vais caminhar de silêncio;
abrem-se à tua passagem
as brumas da solidão.

Pisas terra fértil de dúvida e interrogação.
Flores, muitas, pálidas e garridas,
pétalas espalhadas, borboletas de sorrisos,
pássaros com trovas de alegria.

Há pedras, que arrumadas, orlam canteiros,
vazios.
Lágrimas de seixos, dispersas no caminho,
pelo vento sufocante do Inverno.
Tem cuidado, não te magoes!

Trouxe areia do mar, e um cheiro de Verão,
estão acolá.
Também por aqui passam as andorinhas,
ébrias de sol. Cruzam o céu com cantos de anil.

A Primavera floriu as sementes, e fez crescer ervas;
as daninhas arranco-as, em dias brancos de chuva.

Por aqui não passam as Estações,
passam os Tempos, todos!
Deixaram o cheiro do verde
e dos abraços castanhos à terra.

Se olhares com atenção,
verás ao fundo a Floresta sem muros,
as árvores, gigantes, dançam com o Outono
douradas melodias.

Entoações antigas, notas de um piano irrequietas,
pontilham o ar, não sei de onde vêem!
Nas pausas da quietude, cessa de caminhar.

Escuta.

Talvez encontres a Árvore da Sabedoria.
Não sei onde está.
Disseram-me os pássaros que se perdeu na Floresta.
Se a vires, repousa na sombra da sua Luz.
Recolhe nas tuas mãos o orvalho das suas folhas,
para um dia sem Sol.

Quando partires, leva silêncio.
Leva na memória o cheiro das cores.
Fecha o portão.


(Sentir e Ser - 2011)